25 de fev. de 2009

Sobre divulgar...

Segue mais um texto oriundo da mesma discussão, publicado em setembro de 2007...

"Vamos partir do que o dicionário nos diz, Divulgação é a ação de divulgar; vulgarização, propagação, difusão. Divulgar (do latim divulgare) é tornar público ou notório; publicar; propagar, difundir, vulgarizar.

O Ib,o síntese é um veículo de divulgação. Através dele, nós, alunos e ex-alunos do IB, colocamos nossas idéias , opiniões , interesses , propagandas, atividades e as mais diversas informações .Compartilhamos.

Mas devemos nos restringir a esse espaço? Ao Instituto de Biociências de Botucatu? E o que tem fora do IB? E as pessoas que não se encontram dentro das dependências físicas ou intelectuais da nossa Universidade? Devem compartilhar conosco? E nós devemos compartilhar com eles? Se sim, o quê compartilhar?

Aqui é o nosso primeiro passo. Já foi o meu, sete anos atrás. E continuo fazendo dele um meio para divulgar minhas idéias, experiências e vivências. E através dele também posso repensar as mesmas, acrescentar pontos e talvez, quem sabe, mudar algumas percepções.

Antes de divulgar idéias e qualquer tipo de conhecimento devemos pensar o debate. Debate, que é troca de idéias em que se alegam razões pró ou contra, com vistas a uma conclusão. Não é mudar a idéia/opinão dos outros, é trocar informações a fim de que possamos construir nossas próprias opiniões e idéias, ou apenas confirmá-las ou até mesmo mudá-las. O debate enriquece o nosso conhecimento e nossa argumentação. Ele não é uma disputa a ser vencida. Ele não é o meio para se chegar ao que é certo e errado.

Voltaire parecia esta oferecendo as armas quando dizia "defina bem seus termos antes da discussão”. Disse-me um amigo no dia em que escrevia esse texto. E não é? Em algumas das discussões decorridas nesse jornal, notei que infelizmente por conta de problemas com definições de termos (além de parco conhecimento de regras básicas de escrita) as discussões se perderam e ao invés de esclarecer pontos aos leitores, trouxe mais turbidez ao que já é turvo.

O Português do Brasil já difícil desde sua gênese e história. O que requer mais ainda de nós quando vamos escrever, divulgar idéias através do papel. Quanta confusão não traz um termo mal definido, um verbo mal conjugado, uma vírgula mal colocada, uma preposição trocada por uma conjunção e assim por diante? São coisas 'pequenas', mas que devem ser atentadas no momento de compartilhar os saberes, seja com pessoas do nosso círculo e ainda mais, quando vamos divulgar à diversidade de pessoas que compõem a sociedade.

Divulgar para quê e para quem? Acho um questionamento importante para nos fazermos. Divulgar o quê? Ciência? Mas primeiro, o que é Ciência?

Acho um interessante ponto de partida, para todos nós. Primeiro, segundo, terceiro, quarto ano. Mestrado, doutorado, docentes... Não importa o grau de formação. Iniciar discussões e debates num espaço aberto e livre como este é um começo importante. Onde vai parar? Não sei... Espero que longe, bem longe... E que cada vez mais envolva mais pessoas e mais questionamentos, com ou sem respostas prontas e finais."

Os muros, o povo e os funcionários do povo

O texto que segue foi escrito por mim em março de 2007. Ele é fruto de uma série de discussões que foram publicadas no "IB, o Síntese", jornal editado pelos alunos da biologia do CAVJ (Centro Acadêmico V de Junho), do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu, onde eu me graduei em Biologia.
Talvez ele faça mais sentido dentro do contexto de toda a discussão, mas o cerne de tudo é haver espaço para discussão, divulgação de conhecimento e embasamento antes se afirmar qualquer coisa. Aí segue a minha pequena contribuição...

"Eu estudo 'pintos' de mosquitos neotropicais e um famoso órgão de fomento financia meu projeto. É um projeto importante dentro de um contexto mais amplo nas Ciências Zoológicas e Ambientais. Com resultados a longo prazo. Mas ele também não atravessa os tais muros. Discordo que a minha pesquisa é desligada do interesse social. Mas quem faz a pesquisa, NÓS biólogos, cientistas é que somos desligados do interesse social, somos NÓS que construímos esse muro, que não é de concreto e sim de (estúpidas) idéias, somos NÓS que não sabemos o que é Ciência e, portanto não cumprimos o nosso maior dever, divulgar o conhecimento científico.

“Ciência é ciência”. Isso me deixou triste. Ver que saímos da Universidade sem conseguir conceituar o que é Ciência. Ciência não é ciência. Precisamos antes de qualquer coisa, antes de nos enfiarmos num laboratório e começar a fazer "pesquisa" em Ciências, adotar uma definição de Ciência. Para isso precisamos ler, ler, ler bastante. Conhecer epistemologia, filosofia e história da ciência. Sim, aquelas matérias sem importância, que a gente assina a lista e sai para ir ao laboratório fazer a tal da "pesquisa".

Não é preciso fazer ou refazer o curso de Ciências Biológicas para acreditar que "o conhecimento científico por si só é de interesse público". Isso meu priminho sabe. O conhecimento, qualquer que seja é de interesse público. Mas se todos que não sabem o que é Divulgação Científica tiverem que refazer seus cursos... Ah, vai ser uma bagunça...

Pois é. Mesmo as nossas pesquisas tendo resultados a longo prazo (eu sequer sei se estarei viva para ver os primeiros resultados da minha), a nossa obrigação, o nosso retorno tem que ser imediato. E é aí que entra a tal da Divulgação da Ciência, que todo e qualquer biólogo tem a obrigação de fazer e fazer bem feito. Seja em que alcance for. Mas fazer com seriedade e compromisso. Os licenciandos e licenciados sabem, ou deveriam saber, com mais clareza e embasamento o significado disso. E alertar o quão

deficiente é a nossa divulgação da ciência, principalmente a qualidade dela.

Falta leitura. Falta saber BIOLOGIA aos biólogos. Falta ser biólogo. Falta humanidade. Falta muito...

A Universidade é um laboratório da ciência. Mas nós, os pesquisadores, é que não trabalhamos a serviço do povo. Somos péssimos funcionários. Uma elite fajuta. Com uma inércia vergonhosa e uma soberba triste."


A discussão se iniciou a partir dessa composição feitas por dois alunos da biologia... Não importando se o resultado agradaria ou não, o importante é que foi gerada discussão e reflexão, infelizmente algumas pessoas ainda crêem que em discussões há quem ganhe e quem perca, sendo sempre uma batalha, quando na verdade deveriam todos ganhar, uma vez que não existem verdades absolutas e toda e qualquer forma de conhecimento e forma de pensar enriquece a nossa mente e constrói o mundo que nos cerca...




20 de fev. de 2009

Culturas em risco

Das 6.700 línguas faladas no mundo, 2.500 estão ameaçadas, 190 no Brasil

O aquecimento do planeta não é a única ameaça global a pairar sobre a Humanidade neste início de século XXI. Estudo publicado ontem pela Unesco (a organização da ONU para Educação, Ciência e Cultura) comprovou o que ativistas sociais já alertavam: as culturas locais perdem cada vez mais espaço e podem mesmo desaparecer em pouco tempo. O documento revelou que das 6.700 mil línguas existentes no mundo, cerca de 2.500 estão ameaçadas de extinção — 190 delas no Brasil.

Os números fazem parte da terceira versão do “Atlas das Línguas em Perigo no Mundo”, o primeiro lançado desde 2001. O documento destaca o Brasil como país de grande diversidade linguística e frisa que há políticas sendo desenvolvidas com o intuito de recuperar muitas das línguas ameaçadas.

Ainda assim, o país aparece entre que mais apresentam línguas em risco — todas elas indígenas.

A nova versão do atlas, apresenta mudanças nos critérios de classificação das línguas em relação às anteriores.

Agora, uma língua é considerada “em perigo” quando as crianças já não a aprendem com suas famílias, como língua materna, e se tornam bilíngues passivos, ou seja, entendem, mas não falam.

Uma única pessoa fala livoniano

O documento estabelece quatro níveis de vitalidade para as línguas: “vulneráveis” (as crianças falam, mas é usada somente no âmbito familiar); “ameaçadas” e “seriamente ameaçadas” (quando apenas as pessoas mais idosas e em número cada vez menor a utilizam); e “em situação crítica” (só utilizada pelos idosos e, ainda assim, muito raramente).

A situação é dramática em muitos casos. Para se ter uma ideia, só existe um falante nativo de livoniano em todo o planeta, na Letônia. A língua Eyak, do Alasca, foi declarada oficialmente extinta no ano passado, quando a última pessoa capaz de falá-la morreu. Estes são apenas dois exemplos em 2.500, frisam os autores do documento.

De acordo com o documento, somente ao longo das três últimas gerações nada menos que 200 línguas se tornaram extintas e outras 199 são faladas por menos de dez pessoas. Mais de um quarto das 192 línguas que já foram usadas nas Nações Unidas desapareceram. Outras 71 são consideradas “seriamente ameaçadas”.

Na apresentação do novo atlas ontem, os linguistas responsáveis pelo trabalho frisaram que as línguas em perigo não estão restritas a países pequenos ou áreas remotas do globo. O Brasil é um bom exemplo disso. Além disso, os especialistas querem encorajar os imigrantes a preservarem suas línguas nativas.

— Línguas em risco são um fenômeno universal — afirmou o linguista australiano Christopher Moseley, um dos responsáveis pela edição do atlas.

Nos Estados Unidos foram registradas 192 línguas ameaçadas — a grande maioria também indígena.

É o caso de Gros Ventre, falada por menos de dez pessoas, em uma reserva no centro de Montana. Todas são bem idosas e nenhuma delas é fluente na língua. A última pessoa que a falava de forma fluente morreu em 1981. No norte do estado de Wisconsin há um caso semelhante.

Trata-se da língua menomonee, com apenas 35 falantes

Idiomas indígenas nas escolas

A Rússia também apresenta um número elevado de línguas ameaçadas, 136. Há línguas criticamente ameaçadas, como a tundra enets, falada somente em algumas poucas ilhas da região do Ártico, e aquela falada por apenas uma pessoa. Mas nem tudo está perdido, dizem os especialistas.

No caso do livoniano, por exemplo, a língua praticamente extinta vem sendo resgatada por alguns jovens e por meio da poesia. O mesmo estaria acontecendo no Brasil, segundo os especialistas. Das 190 línguas ameaçadas registradas aqui, alguma se encontram em estado bastante crítico, como o crenaque, idioma indígena do sudeste, falado por menos de dez pessoas. E algumas já extintas, como omaguá e xacriabá.

Mas, como frisa Marleen Habard, editora do atlas para as regiões andinas, os grupos indígenas da América do Sul estão na vanguarda mundial no que diz respeito à preservação de línguas. Eles pressionam seus governos para reconhecê-las e protegê-las. No caso específico do Brasil, muitas línguas da Amazônia, por conta da pressão das comunidades indígenas, têm sido ensinadas nas escolas, ao lado do português.

Na América Latina, o México aparece com 144 línguas ameaçadas. No Equador, com 20 línguas em perigo, se destaca o ressurgimento, nos últimos anos, da língua andoa, com apenas 100 palavras, e do zápara, que se acreditavam extintas e substituídas pelo quechua.

Foi um jornalista quem descobriu um pequeno grupo de falantes do andoa em 2000, na fronteira com o Peru. De sua parte, a Bolívia registra 39 línguas em risco — uma das mais baixas listagens da região. O Peru aparece com 62, e a Colômbia com 68.

Para o coordenador geral do atlas, Christopher Moseley, “seria ingênuo e simplista afirmar que as grandes línguas de passado colonial, como inglês, francês e espanhol, são sempre as responsáveis pela extinção das outras”. — Há um jogo de forças sutil — afirmou.

Para Françoise Riviere, diretora de cultura da Unesco, a noção da importância da preservação das línguas maternas é crescente. — Estamos ensinando às pessoas que a língua do país natal é importante, e que devemos nos orgulhar de nossa língua.

Raimundo, o último caixana

Das 190 línguas do Brasil apontadas pelo novo atlas da Unesco como ameaçadas, as que se encontram em situação mais grave são aquelas faladas por grupos de até dez pessoas. Ao todo, 33 línguas, a grande maioria na Amazônia, se encontram nessa situação e são consideradas criticamente ameaçadas.

Os casos mais dramáticos são os das línguas faladas por apenas uma pessoa. Há pelo menos dois exemplos disso no Brasil, no caso da língua apiaká, pertencente a um grupo original do norte do estado de Mato Grosso; e da caixana, no Amazonas, falada somente por Raimundo Avelino, de 78 anos, que vive na localidade de Limoeiro, em Japurá.

Várias outras línguas são listadas como tendo somente dois falantes nativos, como guarasu e curuaia, ambas na Região Norte.

(O Globo, 20/2)

Tem dias que a se sente assim...

... e hoje é um dia destes...

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

3 de fev. de 2009

As múmias do Llullaillaco

Esta é uma crônica que o jornalista Ari Peixoto escreveu sobre três crianças sacrificadas há 500 anos no topo de um vulcão. Muito interessante!!!

A primeira impressão é a de assombro. A gente se acostuma a imaginar múmias com bandagens dos pés à cabeça, sarcófagos, etc... Aí, encontra três crianças que foram sacrificadas há 500 anos e cujos corpos estão praticamente intactos! Difícil manter a boca fechada. Eu não consegui, principalmente por causa do estado de conservação, totalmente natural. Quem vê de perto, como eu vi, tem a nítida sensação de que, se tocar na múmia, ela vai despertar.

Há 500 anos, essas crianças saíram de Cuzco (Umbigo do Mundo, em quéchua), no Peru, e foram levadas para o topo do vulcão Llullaillaco, no norte argentino (em bom espanhol argentino, leia-se "Jujaijaco"), a mais ou menos 1500 quilômetros de distância.

O império Inca foi um Estado-Nação que existiu entre 1200 e 1550, quando os invasores espanhóis chegaram. Abrangia desde o norte do Equador até o noroeste da Argentina e o norte do Chile. Eram diversas nações e mais 700 idiomas diferentes, sendo o mais falado o quéchua (ou quíchua), que ainda é idioma corrente principalmente na Bolívia e no Equador.

A pé, cobrindo em média 25 quilômetros por dia, as crianças encararam com paciência e resignação aquela que seria a última viagem de suas vidas, em direção ao altar de sacrifícios. Para nós pode parecer chocante, mas na cultura Inca essas crianças eram preparadas para isso desde o nascimento. Todas vinham da elite incaica, tinham que ser perfeitas, sem defeitos físicos, e dotadas de uma beleza incomum. E é sempre bom lembrar que, de acordo com os preceitos locais, elas não morreriam; simplesmente passariam para o lado dos deuses e, de lá, olhariam pela comunidade a que pertenciam.

No alto da montanha sagrada, as crianças foram embriagadas com chica, bebida à base de milho, que existe até hoje – a diferença é que, naquele tempo, ela era feita de uma maneira, digamos, mais ortodoxa: o milho era mascado pelos adultos e a massa que surgia daí era cuspida num tacho, onde recebia aditivos naturais para acelerar a fermentação e ganhar um certo teor alcóolico. E foi assim, depois de beber muita chicha, já em coma alcóolico, que as crianças eram suavemente depositadas numa cova... e ali morriam rapidamente, pelo frio e pela asfixia.

Foram exatamente a baixa temperatura (em torno dos 20 graus negativos) e a ausência de luz os grandes responsáveis pela notável preservação dos corpos. Nenhum aditivo a mais, como faziam os egípcios ou os italianos, nas recém- descobertas múmias de Palermo.

Os arqueólogos argentinos que faziam parte da descoberta logo perceberam que, se não agissem rápido, o destino das múmias seria o exterior, principalmente os EUA. Por isso, criaram o Museu de Arqueologia de Alta Montanha, para abrigar a descoberta. As múmias são mantidas praticamente nas mesmas condições em que foram encontradas – ou seja, pouca luz e temperatura de 20 graus negativos. E, para evitar problemas, só uma é exibida por vez.

Sabe o que é mais legal de toda essa história? Os arqueólogos argentinos que entrevistei sabem aonde estão outras 30 múmias em igual estado de conservação, espalhadas pelo continente – mas, atendendo a apelos das comunidades indígenas, descendentes dos Incas, eles decidiram que vão deixar que elas permaneçam nas suas tumbas. Sem revelar a localização, claro. É uma demonstração de consciência do homem contemporâneo com relação ao passado da América do Sul.

Ari Peixoto