Esta é uma crônica que o jornalista Ari Peixoto escreveu sobre três crianças sacrificadas há 500 anos no topo de um vulcão. Muito interessante!!!

Há 500 anos, essas crianças saíram de Cuzco (Umbigo do Mundo, em quéchua), no Peru, e foram levadas para o topo do vulcão Llullaillaco, no norte argentino (em bom espanhol argentino, leia-se "Jujaijaco"), a mais ou menos 1500 quilômetros de distância.
O império Inca foi um Estado-Nação que existiu entre 1200 e 1550, quando os invasores espanhóis chegaram. Abrangia desde o norte do Equador até o noroeste da Argentina e o norte do Chile. Eram diversas nações e mais 700 idiomas diferentes, sendo o mais falado o quéchua (ou quíchua), que ainda é idioma corrente principalmente na Bolívia e no Equador.
A pé, cobrindo em média 25 quilômetros por dia, as crianças encararam com paciência e resignação aquela que seria a última viagem de suas vidas, em direção ao altar de sacrifícios. Para nós pode parecer chocante, mas na cultura Inca essas crianças eram preparadas para isso desde o nascimento. Todas vinham da elite incaica, tinham que ser perfeitas, sem defeitos físicos, e dotadas de uma beleza incomum. E é sempre bom lembrar que, de acordo com os preceitos locais, elas não morreriam; simplesmente passariam para o lado dos deuses e, de lá, olhariam pela comunidade a que pertenciam.
No alto da montanha sagrada, as crianças foram embriagadas com chica, bebida à base de milho, que existe até hoje – a diferença é que, naquele tempo, ela era feita de uma maneira, digamos, mais ortodoxa: o milho era mascado pelos adultos e a massa que surgia daí era cuspida num tacho, onde recebia aditivos naturais para acelerar a fermentação e ganhar um certo teor alcóolico. E foi assim, depois de beber muita chicha, já em coma alcóolico, que as crianças eram suavemente depositadas numa cova... e ali morriam rapidamente, pelo frio e pela asfixia.
Foram exatamente a baixa temperatura (em torno dos 20 graus negativos) e a ausência de luz os grandes responsáveis pela notável preservação dos corpos. Nenhum aditivo a mais, como faziam os egípcios ou os italianos, nas recém- descobertas múmias de Palermo.
Os arqueólogos argentinos que faziam parte da descoberta logo perceberam que, se não agissem rápido, o destino das múmias seria o exterior, principalmente os EUA. Por isso, criaram o Museu de Arqueologia de Alta Montanha, para abrigar a descoberta. As múmias são mantidas praticamente nas mesmas condições em que foram encontradas – ou seja, pouca luz e temperatura de 20 graus negativos. E, para evitar problemas, só uma é exibida por vez.
Sabe o que é mais legal de toda essa história? Os arqueólogos argentinos que entrevistei sabem aonde estão outras 30 múmias em igual estado de conservação, espalhadas pelo continente – mas, atendendo a apelos das comunidades indígenas, descendentes dos Incas, eles decidiram que vão deixar que elas permaneçam nas suas tumbas. Sem revelar a localização, claro. É uma demonstração de consciência do homem contemporâneo com relação ao passado da América do Sul.
Ari Peixoto


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